domingo, 25 de setembro de 2011

O CAPITALISMO NUM PRATO DE COMIDA

É notório nos dias atuais falarmos de uma universalização do sistema capitalista. E falarmos de universal significa dizer que onde quer que estejamos presenciaremos este tentáculo maldito que faz com que nós seres humanos pensemos não com o cérebro e sim com o bolso. Aliás, mais que isso, faz com que tudo o que chega até nós se torne secundário porque depende do primário que é o dinheiro.
Assim os valores, os sentimentos, a moral, a ética, o cuidado com o planeta e o ser humano isso tudo pouco importa. E bem sabemos que a ignorância com relação a estes parâmetros desenvolvidos pela humanidade durante seu processo histórico está nos conduzindo à extinção. E a razão é simples, o outro passa a ser desconsiderado, tornado mercadoria e o planeta degradado, explorado a exaustão.
E esta desconsideração pelo próximo se evidencia em gestos simples. Tenho notado em alguns cursos dos quais participei que na hora de servir a refeição existe alguém exclusivamente para servir a carne e a salada, aquilo que nossos pais comumente nos ensinaram a chamar de mistura. Alguém já se perguntou por quê? Por que não tem uma pessoa designada para servir o arroz e o feijão?
A constatação que faço é que o sistema capitalista despertou esta macabra sensação de que devo olhar para o meu estômago primeiro e satisfazer meu desejo de alimentação até a exaustão, pouco me importando com a fome do outro. Como dizia um amigo nordestino: farinha pouca, meu pirão primeiro. Ou como costuma dizer: quem chega antes come bem, quem chega depois fica sem.
Interessante observar que dentro do encontro eu até considere o outro, debatendo com ele sobre esta ou aquela temática, enxergando-o como meu interlocutor, alguém imprescindível para que o diálogo de fato se estabeleça. Mas na hora da refeição não consigo vê-lo como alguém que tem direito a mesma alimentação.
Podemos fazer uma análise do sistema capitalista a partir deste pequeno e até considerado por muitos um gesto insignificante. Muitas vezes nos detemos em análises mundiais, internacionais e esquecemos que o capitalismo nos domina ali em nossas pequenas e cotidianas ações. E a mesma resistência oferecida pelos países capitalistas, detentores das grandes riquezas, também podem ser oferecidas por quem se julga com mais direito a se apropriar da carne e da salada a que o outro também tem direito.
Os países de primeiro mundo podem se julgar com mais direito a encherem seus pratos do que os do terceiro mundo não havendo quem se lhes oponha. Mas se eu me julgo no direito de encher meu prato com carne e salada, ficando o outro somente com o arroz e feijão, julgando estar correto, isso não seria uma mentalidade puramente capitalista?
O pecado da gula está entre um dos sete pecados capitais e hoje estamos diante de um círculo vicioso. Come-se até engordar excessivamente e depois se entra numa tresloucada dieta para chegar ao peso de antes para depois comer novamente e assim num eterno “cachorro que corre atrás do rabo” sem conseguir pegá-lo. Paradoxalmente temos de um lado em torno de 1,2 bilhão de famintos e do outro 1,4 bilhão de obesos. Não será porque sobra no prato de um o que falta no do outro.
Claro que os motivos da obesidade não são somente estes que destacamos. Os fast-foods, as bebidas adocicadas, a redução quantitativa e qualitativa dos alimentos que ingerimos, o processo de industrialização, são constitutivos suficientes para assistirmos a uma desregulamentação nos organismos dos seres humanos, modificando completamente seu metabolismo.
Já os motivos de haverem tantos famélicos no mundo são oriundos principalmente da política de ajuste do Banco Mundial e do FMI, verdadeira política da fome imposta às nações do Terceiro Mundo. Sem contar a nova doença do século ligada à alimentação, a anorexia, provocada pela ditadura da beleza e a obsessiva vontade de se parecer com as modelos magérrimas que desfilam nas passarelas e ganham milhões de dólares mostrando as grifes mais famosas do mundo. Dinheiro, fama e sucesso, ingredientes que formam o tripé do masoquismo sujeitando milhares de mulheres a um regime de fome.
Diante de problemas tão grandes falar deste que parece ser um problema insignificante chega a ser irrelevante. Acontece que tudo no ser humano começa pequeno e tende a crescer. Justamente por não nos importarmos com o outro é que nos voltamos para nós mesmos atendendo aos nossos desejos mais egoístas e mesquinhos, deixando de lado um principio básico e, portanto, alicerce do “outro mundo possível”: a partilha.
Quando falamos que o capitalismo pode ser analisado a partir de um prato de comida é porque não somente os governantes deixam padecer a míngua seus governados, também cada um a sua maneira pode impor o mesmo castigo e sem se dar conta fazer padecer as pessoas mais próximas. O fato de não nos darmos conta de que existem mais pessoas além de nós são evidências de que não nos atentamos para o que verdadeiramente acontece ao nosso redor.
Que as multinacionais das sementes são as grandes responsáveis por acumularem toda produção de alimentos destinada à humanidade é verdade incontestável, devendo ser combatido sem trégua. Todavia, também é verdade que cada um pode acumular em seu prato o que deveria ser servido a todos. E taxar de mesquinho, regulador, sovina quem chama nossa atenção para este acúmulo é fechar os olhos para o problema.
Se a transformação global começa por mudarmos primeiro a nós mesmos para depois cobrar a mudança do outro então está na hora de começarmos a avaliar qual o nosso comportamento diante do momento mais especial na vida do ser humano: a hora da refeição. Talvez seja um dos pontos que faltam para acabarmos, por exemplo, com a necessidade de ter uma pessoa para servir carne e salada como se fôssemos incapazes de servir por nossas próprias mãos a parte que necessitamos para nos alimentarmos bem e ainda lembrarmos que outros também têm direito a se servirem da mesma refeição.

Wilson Aparecido Lopes
MST/CPT

Nenhum comentário:

Postar um comentário